15 maio 2007

A hibernação das andorinhas

300407, Rio de Onor, Bragança Andorinha-das-chaminés
Hirundo rustica


Que uma andorinha não faz a Primavera é frase nossa bem conhecida. Menos conhecida é a teoria sobre a hibernação das andorinhas. A frase chegou aos nossos ouvidos de séc XXI, a teoria evoluiu, actualizou-se perdedendo-se a sua primeira versão. Quem as propôs, a ambas, foi o Senhor Aristóteles, pensador grego que viveu há mais de dois mil e trezentos anos.
Nessa altura pensava-se muito. Havia muitas coisas nas quais nunca se tinha pensado e as conclusões que saíam destes novos pensamentos eram mais vezes aceites do que contrariadas porque, no fundo, havia mais em que pensar.
Quando a Terra era ainda o centro do universo conhecer a causa do desaparecimento e do regresso das andorinhas, entre o início o Outono e o início da Primavera, não pareceria ser assunto merecedor de prioridade. Mas Aristóteles, que pensou sobre tudo, também nisto pensou e em Historia Animalium deixou as suas conclusões sobre o assunto. Disserta que apesar de muitas aves migrarem para (talvez) lugares mais quentes, outros, como as frágeis andorinhas, hibernam, escondendo-se com mestria e poupando-se assim aos trabalhos da migração. Viu Aristóteles, em pleno Inverno grego, andorinhas abrigadas em buracos num estado de adormecimento e despidas das suas penas. Esta teoria foi aceite e os pensadores foram pensar noutras coisas que ainda não tinham sido pensadas.
Quase duas dezenas de séculos depois, vigorando ainda assim as conclusões de Aristóteles, os primeiros naturalistas relataram um fantástico episódio sobre um bando de andorinhas que foi visto em caniçais junto a um pântano. Reuniram-se durante alguns dias, privando depois entre si em voos loucos e majestosos repastos aéreos de insectos. Comiam, engordavam, comiam, engordavam e engordaram até que os juncos onde se empoleiravam se dobraram ao seu peso e elas se deixaram engolir pelas águas, mergulhando para um sono trôpego que duraria todo o Inverno.
Outra história não menos fantástica é a narrada por Olaus Magnus, um arquiduque Sueco, no tempo em que as andorinhas se enrolavam em novelos para se deixarem mergulhar nas águas dos lagos. A história confirmava-se por terem sido recolhidos, pelas redes de pescadores da Escandinávia e ao monte com o pescado, novelos de andorinhas, unidas de bico no bico, asa nas asas, mão na mão. Quando apanhadas, e se aquecidas, estas andorinhas soltavam-se umas das outras e começavam a esvoaçar. Mas a técnica era de evitar porque os animais que acordavam, depois de uns breves segundos morriam, e morriam de vez. Por outro lado, as que passavam a época fria a dormitar, por altura da Primavera começavam a deixar os fundos para regressarem aos claros e solarengos céus.

Quando faltavam 100 anos para Darwin, o conde de Buffont, George-Louis Leclerc, resolveu voltar a pensar sobre esta hibernação das andorinhas. Estava desconfiado! No seu estudo História Natural das Aves justificou a sua suspeita com chatos dados científicos respeitantes à capacidade das andorinhas em estarem 6 meses sem respirar ou 6 meses a respirar dentro de água. E remata o assunto de chofre porque afinal ninguém tinha assistido a um fenómeno tão brutal quanto seria ver bando de andorinhas a mergulhar dentro dos lagos ou, melhor ainda, ninguém as tinha visto sair de lá rumo ao céu da Primavera.
Ao cair do pano do séc. XVIII, um Lazzaro Spallanzani lembrou-se de atar fitinhas aos pés das aves para as identificar e registar as suas movimentações mas a anilhagem em aves com propósitos científicos foi experimentada por um dinamarquês, H.Christian C. Mortensen, que ainda teve de esperar pelo o alumínio.
Mas ter-se-ão assim acabado as histórias mirabolantes e as explicações fabulosas sobre a hibernação das andorinhas? Talvez, no entanto não é menos heróica e fantástica a história da migração de 20 gramas de andorinha que voam 5.000 a 7.000 quilómetros desde África, sobre o deserto e sobre o Mediterrâneo, até ao sul da Europa Primaveril. Uma vez cá, de regresso aos seus ninhos, arranjam-nos num tricot de bolinhas de lama para depois namorarem e chocarem filhotes a tempo de crescerem fortes para poderem regressar à África quando o frio da Europa fizer desaparecer os insectos de que se alimentam. Uns há que não se conseguem devenvolver o suficiente para partirem. São crias de ninhos tardios, demorados a construir à conta da destruição humana. Enfim... pousemos antes os olhos nas andorinhas em bonitos voos de fintas e pesca aérea.

(Gosto destes hoje-absurdos em tempos cridos e queridos por todos. Quais das nossas hoje-certezas vão voltar a ser pensadas?)

3 comentários:

paulu disse...

Concorrência? Fixe! Assim se blogar uma foto duma hirundo rustica não preciso de escrever nada: basta-me pôr a ligação para aqui e já está!

Foi muito bem lembrado contares esta história sobre os mitos da hibernação das andorinhas. Há uma coisa curiosa em torno disto, que infelizmente não me lembro onde li: a perspectiva africana do assunto! Do ponto de vista de África, algumas andorinhas nidificam por lá, outras - como a das chaminés - não... Estas últimas são conhecidas como "andorinhas europeias", ou algo equivalente. Ou seja, parece que os ornitólogos de África não cairam na esparrela de Aristóteles. :-)

Anónimo disse...

Foi o que eu pensei...: concorrência ao Bzz. Agora, se vocês continuam a escrever tanto..., eu cá não consigo acompanhar... com pena minha, é certo.

Jota disse...

A concorrência faz os olhos bonitos (ou negros quando o imitado não lhe acha piada!).