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07 março 2008

E mais grifos

Mira papá, un buitre!

16 janeiro 2008

Grifos

O Big Brother anda de olho posto num ninho de grifos ali para o lado do Tejo Internacional.
Já há um ovo posto no chamado "ninho de baixo" e alguns vídeos com o best of da saga. Estes apanhados são especialmente úteis aos que só têm tempo de "navegar" à noite, quando está tudo escuro.

Depois de publicado este post, entrou em serviço um blog dos Grifos na web onde o biólogo Carlos Pacheco comenta esta aventura. E eis mais uma coisa boa para os que só têm tempo de "navegar à noite". (Ainda assim, devo dizer que não consegui entender de quem é o ovo posto no "ninho de baixo"... meu não é!)

29 julho 2007

então brindemos: à tua!

Rabirruivo Preto
Phoenicurus ochruros


Esta Primavera, quando entrámos na pequena adega do Casal dos Barros para acordar o vinho por já serem horas de o engarrafar, surpreendemos um Rabirruivo que atrapalhado acabou por escapar porta, ou fresta, fora.

Entretanto esquecido o incidente, foi com espanto que lá para o fim deste mês de Junho primeiro se suspeitou e depois se confirmou a existência de um ninho de Rabirruivo posto e já chocado numa das prateleiras daquele espaço. Vedado o local, o uso ficou interditado a humanos e canídeos e abriu-se um pequeno postigo junto ao tecto que logo foi adoptado como boca de cena pelos dois protagonistas da acção.

Foi à conta disto que precipitei o fim das férias Dentro do Mapa para conseguir apanhar lugar no último Domingo de representações. E foi um gosto! Foi um fim de tarde sentada, entalada debaixo das mesas do pátio, a ver, de nariz no ar como num espectáculo de Robertos, os papás Rabirruivos atarefados. O enredo era simples. Cada um à sua vez, papá e mamã, apareciam aos saltos sobre os telhados com bico carregado de insectos. Verificavam as condições do lugar (às vezes olhavam a assistência que pensava estar invisível debaixo da mesa). Depois pousavam à beira da boca de cena, sacudiam o rabo ruivo como nós faríamos para compor a indumentária antes de um encontro de cerimónia e desapareciam pelo fundo escuro do cenário. Dois segundos: lá de dentro chegava um ruído besourado e assanhado, breve como o som de uma garrafa de água com gás enquanto se desenrosca lento a tampa. A avaliar pelo chinfrim deviam ser crias de pulmões bem desenvolvidos e papo difícil de satisfazer. De bico cheio calavam-se os besouros e lá partia o progenitor para uma nova caçada num círculo de sai e regressa-com-insectos-no-bico em sessões contínuas que duraram mais do que a minha persistência de gente que tinha também um jantar para preparar.

A meio dessa semana deixaram de se ouvir as crias e de se ver os papás na sua lufa-lufa. A missão estava cumprida! E o ninho ainda voou para as mãos pequeninas e os olhos arregalados das crianças do infantário.


O Rabirruivo Preto é um passarinho de rabo ruivo, quase-todo-preto e fácil de avistar e de reconhecer. Fácil de avistar porque, apesar de preferir zonas rochosas ou escarpas, tem vindo a atrever-se a explorar cidades e, sendo assim, num jardim calmo e atento diria eu que é muito provável vê-lo passar. E fácil de reconhecer porque como a sua cauda ruiva não há outra que tão bem se destaque do breu das suas outras penas, principalmente quando a abre, qual leque incandescente, para se lançar em voo. Outra marca distinta do Rabirruivo, característica do macho a partir do segundo Outono da sua vida, é a fina pincelada a branco na extremidade das suas asas escuras. A fêmea é menos colorida, mais pardacenta e salpicada de castanhos, à semelhança dos juvenis (machos e fêmeas) durante o seu primeiro ano de vida. Bico e patas pretos, os olhos também pretos têm um debruado pontilhado que os espevita.

O Rabirruivo tem uma pose muito singela, uma postura vertical muito distinta que também nos pode ajudar a saber que é ele que ali vai. Apesar de ser uma ave pequena, de uns 14cm, é espadaúdo com peito empinado e o bico preto afilado completa o que será justo chamar de uma “silhueta elegante”.
É um tímido solitário, que nos controla com ar sério do alto de um muro ou de cima um telhado. Controla-nos a nós e a algum inimigo, porque este também é um amiguinho territorial ainda que menos violento que o outro. Também saltita pelo chão à procura de insectos ou larvas, e faz a habilidade de voar “na vertical” para apanhar bicharada nos orifícios de uma parede, de uma muralha tal osga, tal cabra montesa, tal homem aranha.
Enquanto pensa na vida, o Rabirruivo sacode a cauda e faz uns tic-tic-tic. Mas quando lhe chega a mostarda ao bico dá “estalinhos com a boca” uns guturais tack-tack plásticos quase impossível de imaginar que provenham de tal passarito. Na época do namoro, lá canta que se desalma e depois dança que se destripa antes dos factos devidos.

Na sua versão original, o ninho do Rabirruivo ocupa buracos ou frestas em rochas. Na sua versão urbana, o ninho é qualquer coisa que com aquele outro se pareça, aproveitando buracos ou cavidades em ruínas, nichos em arrecadações ou garagens ou assente algures debaixo de telha. É um ninho simples, mais “poisado” que “edificado”, feito de ervas secas, casquinhas e folhas ou musgos que depois se atapeta com cabelos, penas e outros finos fios. Entre os meses de Abril e Junho podem fazer duas posturas, cada uma em seu ninho montados próximos entre si. Construir o ninho, pôr os ovos e chocá-los são tarefas exclusivas da fêmea. O macho partilha a faina da alimentação das crias que vão sair do ninho antes de saberem voar, aprendendo esta arte em treinos arriscadíssimos já no solo, camuflados entres pedras e ervas durante uma longa dúzia de dias.

Em Portugal, o Rabirruivo está presente durante todo o ano faça chuva ou faça sol. Mas, por exemplo, já ali em França ou mais ainda pela Europa acima ele é uma personagem migradora que vem passar o Inverno cá no sul da Europa ou até ao Norte de África. Parece que na península Ibérica até temos uma subespécie só nossa: o Phoenicurus ochruros aterrimus, da qual sei apenas que tem na pancita uma plumagem mais clara. (Também cá temos o Rabirruivo-de-testa-branca, o Phoenicurus phoenicurus, mas esse é outra espécie com quem nunca me cruzei e que terá de ficar para outra altura.)



Para terminar a apresentação dos resultados desta investigação, vou ter de falar, mais uma vez, do amor britânico pelas aves que, mesmo já sabendo que são gente que até tem uma ave nacional (o nosso amigo Pisco que é o deles amigo Robin) não deixaram de me voltar a surpreender.
Acabo de descobrir que o Black Redstart (reparem por onde começam os pássaros britânicos…) é propósito q.b. para condicionar os planos de reabilitação e intervenção do espaço urbano envolvente ao Tamisa.
O Black Redstart é também conhecido pelo "bomb site bird" ou "power stations bird" (nomes brutos para um pequenote) porque usa os sítios escalavrados pelos bombardeamentos para se abrigar ou nidificar. A preocupação britânica, mais especificamente em Londres e Birmingham onde é considerado uma ave pouco comum, surge nos dias de hoje em que este habitat natural-urbano tem vindo a desaparecer, vítima das reformulações do território urbano. Numa tentativa de reduzir o impacto destas na população do Black Redstart, a London Biodiversity Partnership’s criou o BLACK REDSTART Action Plan e a Black Redstarts.org. E entre planos de acções e as próprias acções foram estudados “brown roofs” (derivados dos "green roofs"). Querem ser qualquer coisa como “telhados vivos”, como se o edifício ao ser erguido tivesse levantado com ele o pedaço do terreno em que assenta. São construídos com terra do lugar e bem ao gosto de um Black Redstar! Já foram experimentados no Creekside Education Center ou no Laban Dance Center dos suiços Herzog & De Meuron. Que God save o Black Redstart!


Depois de espreitado um pouco dos hábitos do Rabirruivo, regressamos num instante ao episódio no Casal dos Barros (agora é que é, estou mesmo quase a acabar).
Para começar, esclarece-se que o Rabirruivo surpreendido no dia do engarrafamento do vinho era então uma fêmea em prospecções para a montagem ninho.
De seguida, pelas cores da fêmea da fotografia e sobretudo pelas que vi serem as do macho (um tom escuro ainda pouco preto-preto), atrevo-me a informar-vos que o casal que se apropriou da prateleira da adega dos Barros seria um casal jovem, provavelmente no seu primeiro ano de reprodução. Jovens mas não tontos ou não teriam escolhido um lugar tão tranquilo, ideal para garantir que, após a saída do ninho dariam à sua prole as primeiras lições de voo em solo protegido. E ainda um lugar farto de matéria-prima para a “fase de acabamentos” do ninho como sejam os pêlos e pelinhos do canídeo, rei do terreno "do lado de fora da adega"!
Fazendo umas breves contas, quem sabe se no Domingo do espectáculo as crias não estavam já fora do ninho, em hora de brunch num intervalo entre as aulas de voo? Bom, se movidas com a energia de insectinhos papados, que venham eles, e que venham mais!

Será que voltarão no próximo ano?

Para me redimir de não ter (ainda) uma foto decentemente focada de um Rabirruivo com o preto das penas mesmo preto-preto, e sobretudo para que encontrem a silhueta elegante que apregoei ao início deste texto, deixo-vos este link que vos levará pelo Flickr até várias fotografias do Phoenicurus ochruros em Portugal, e ainda este, do Oiseaux.net, com fotos e mais informação.

E se entretanto forem capazes de descobrir um Rabirruivo, avisem!

19 junho 2007

Quem manda aqui sou eu!

Lagoa das Braças, Fig. da Foz, 02.02.2007 Pisco-de-peito-ruivo
Erithacus rubecula

Todos conhecemos o amigo Pisco! (excepto talvez os dois a quem é especialmente dedicado este post e que depois da leitura devida espera-se que venham a tornar verdade a primeira frase deste escrito.)

Em Cabo Verde um pisco é um petisco, para ser comido. No Perú e no Chile o pisco bebe-se!Trata-se de uma aguardente de FUEGO que mais parece um ancinho a coçar-nos a traqueia! Ainda no Peru, e talvez explicando a origem do nome desta bebida, Pisco é nome de uma província, de uma cidade, de um vale e de um rio localizados na região de Ica.
Cá em Portugal temos a Serra do Pisco, perto de Trancoso. E senhores e senhoras de apelido Pisco há-os montes (o nome é de origem judia, está incluído no Dicionário Sefaradi de Sobrenomes). Também chamamos pisco aos míopes. O mais conhecido deles é Estrabão, o pisco – precisamente estrábico! Depois há os que "comem como um pisco", fazendo jus aquela pancita redondinha onde pouco deve caber.

Finalmente, o Pisco pode ser visto... em cartões de Boas Festas (um, dois exemplos apenas), onde aparece rodeado por neve e de penas tufadas, em selos originários de quase todo o mundo e até em pose nalgumas caixas de fósforos!

Pois é, todos conhecemos o amigo Pisco! Nem que seja num dos pontos do rol atrás apresentado. Mas também há Piscos a sério, dos que voam e saltitam em jardins e em florestas.

O Pisco é do tamanho de um pardal. Nas estações mais quentes alimenta-se de insectos, incluindo aranhas e outros invertebrados. Quando vem o frio, e os insectos se vão, recorre a bagas e outros frutos porvezes alguns que tenham sido desfeitos por outros animais. Nos países do norte da Europa, na época da neve, é vulgar ser alimentado pelas pessoas havendo relatos de encontros emocionantes.
Em Portugal, os Piscos que nidificam são residentes. Mas recebemos visitas de alguns outros Piscos vindos em fuga do frio do Norte da Europa – passam cá o Inverno e regressam para a procriação. Fazem os ninhos em buracos no solo, taludes, buracos em árvores.

Com o seu aspecto catita, com um distinto peito ruivo sobre um par de patinhas a lembrar pés de cerejas e com este canto artístico durante quase todo o ano, se avistado o Pisco é fácil de identificar. E diga-se em coro: oh que querido, tão fofinho! e queridinho por ter a) um peito ruivo que b) incha e fica tão fofo, por c) cantar que se desalma e ser d) um curioso atrevidote.
Mas este pirralho engana! Quatro encantos estes, quatro presentes envenenados. O Pisco-de-peito-ruivo é a ave que mais ferozmente defende o seu território. É tão feroz como querido: é capaz de matar um invasor em terras suas. E agora desmistifique-se também em coro: Xi, a sério? ca bruto por ter a) um peito vermelho-semáforo indicando “entrada expressamente proibida” b) que incha “sou só musculo ferrado no ginásio” c) um canto todo o ano “aviso-te que isto não é só garganta" e d) uma curiosidade de “chega-te aqui chega e vais ver”!

Mas esta agressividade do Pisco tem uma razão de ser e não é nem económica nem religiosa nem política nem idealista. O Pisco é um estranho caçador. Não persegue os insectos num céu sem limites nem passa o dia entretido a bicá-los do solo. O Pisco pratica o “empoleirado e cá-vou-eu”: à paciência de uma sombra, poisado num ramo rente ao chão, o Pisco espera que surja uma centopeia, uma minhoca, um mosquito para a ele se lançar de surpresa e Zás está!; como plano alternativo, para alturas mais fracas, lá salta para o chão a debicar o que aparecer. Ora assim sendo até se entende. Eu cá se fosse Pisco não queria barulho no meu terreno, não queria concorrência que me afugentasse a janta, minha e dos meus filhotes, precisava de privacidade e calma sobre o meu reino!

Se se dá o azar de dois Piscos se julgarem reis da mesma propriedade ui! As hostes abrem-se com o canto dos guerreiros. É um diálogo de ofensas e ameaças como nem os Exterminators teriam coragem de proferir, sobrepondo os discursos, num despique musical que pode durar horas e encantar os domingueiros que se passeiam por ali. Quando finalmente se acareiam lançam-se ao chão, tufam as penas e inclinam-se. Se nenhum se retira, vale arrancar olhos à bicada! Macho e fêmea lutam com o mesmo empenho pelo seu território.

A meio do Inverno é tempo dos Piscos se enamorarem e o macho muda de canto. Apesar do macho agora passar os dias a cantar para engatar uma miúda, a fêmea passa algumas dificuldades até que ele entenda as suas intenções (o costume!). Ele demora a distingui-la entre amante ou invasora, mas quando as coisas se esclarecem, lá se casam. A fêmea caça, o macho canta, e ainda falta até que a Primavera faça das suas. Depois dos filhotes criados, afasta-se o casal e cada um volta a defender o seu reino.

Curiosamente (ou não tanto) os maiores fãs deste Pisco são, sem dúvida, as gentes do Reino Unido. O Pisco, aliás o Robin (aliás o Robin europeu, a não confundir com o Robin americano) é praticamente considerado a “ave nacional” – parece que só falta oficializar a relação. Este amor dos britânicos pelo Robin deve-se, claro, ao seu ar fofo e ao seu cantar melódico, mas também ao facto de ser uma ave presente todo o ano que encanta o branco dos Invernos com o seu peito ruivo, aproximando-se dos humanos (e então se forem britânicos...) para ver se ganha alguma migalhita.
Até à idade média chamavam-lhe Redbreast (ainda o fazem os franceses usando o Rouge-gorge - como se não houvesse outro pássaro de peito-ruivo) ou Ruddock (palavra do Inglês antigo para “red”, também alcunha dada aos ruivos e persistindo ainda hoje como apelido). Mas depois, os inglêses acharam que como a fêmea não tinha o peito ruivo não lhe podiam chamar Redbreast – enganavam-se, estavam a confundir a pequenita carriça com a Sra. Robin que essa sim tem o peito ruivo. E como quem põe o nome a um filho ficou o macho Robin e a carriça Jenny .
Desde adivinho meteorológico consoante se esconde ou se encima num arbusto para cantar; desde ave piedosa que tirou os espinhos cravados no corpo de Cristo; passando por gentil protector de abandonados corpos mortos que cobre com musgo e folhas; saibam que até os carteiros Vitorianos foram chamados de robins redbreasts por usarem uniforme vermelho e que este Pisco é cantado por tantos poetas britânicos, e encanta em muito contos infantis e não tão infantis. Mas ainda assim diga-se, só depois do Mourinho virá o Pisco!

Para este post espreitei (entre outras coisas que foram mais de passagem e mais-que-a-conta):
aqui em português familiar, aqui em francês, e aqui um mero acaso em pesquisa de última hora mas que gostei muito! Ah, também espreitei este livro na sua versão de páginas verdadeiras, de papel.

E, já que o post vai curto, aproveito para vos fazer voltar a observar a foto lá de cima. Parecia que o Pisco estava a posar? a lançar um olhar de curioso? Mas reparando bem... parece mesmo que nos está a olhar de lado, não é?

Lagoa das Braças
Figueira da Foz
2 de Fevereiro de 2007

11 junho 2007

Marcianos no Torel

Periquitão-de-cabeça-azul
Aratinga acuticaudata

Andava meia Lisboa à espera de ver ao vivo estas aves enquanto a outra meia esperava por ver desvendado de que espécie se tratava afinal. Ok, não era tanta Lisboa assim, era mais ou menos, ou vá lá... mais para o menos que para o mais, mas com empenho e decisão!

Devo anteceder o relato explicando que estas dúvidas foram há tempo levantadas numas conversas entre amigos e, depois, alinhavadas aqui no meandros dos blogues, com especial afinco nos comentários a este post do nosso Bzz. O que seriam aqueles seres verdes que se avistavam no Jardim do Torel, durante o voo, arrastando cauda comprida e em chinfrineira de despique? Eu por mim arrisco já: marcianos, só podem!

Ontem, finalmente, armámo-nos de máquina fotográfica e fomos à caça para o Jardim do Torel, aqui em Lisboa, ao lado do conhecido Elevador do Lavra. Do miradouro no alto do monte de Santana, lançam-se vistas sobre o monte de São Roque. Atravessando a Avenida da Liberdade, espreita-se desde o Tejo até à bandeira portuguesa da Feira do Livro no topo do Parque Eduardo VII, e isto passando pelo Chiado, pela estação de comboios do Rossio, pelas obras São Pedro de Alcântara que concorrem com as de Santa Engrácia e pela a mancha verde do Jardim Botânico, sempre com o olhar intersectando todas aquelas as ruas que caem colina abaixo.
O Jardim do Torel foi construído no início dos anos 30, pela Câmara Municipal de Lisboa, sobre os doados terrenos da que outrora fora a quinta do desembargador Francisco Xavier da Cunha Thorel, com o seu palacete mandado construir no início do séc. XVIII. No ano 2000, o jardim sofreu uma remodelação profunda. Parece que as águas da chuva ficavam retidas nos terrenos e os muros de contenção começavam a queixar-se do esforço.
Não conheci o jardim de antes, mas hoje é um lugar muito bom para se estar, observando o frenesim urbano à sombra de palmeiras e ao som do assobio dos melros. Mais ou menos como comer um gelado com molho de chocolate quente ou trincar uma torrada depois de um quadradinho de chocolate.

Mas isto vinha tudo a propósito dos marcianos que suspeitávamos terem erguido tenda no Torel. Nos dois guias de campo, previamente consultados, havia apenas uma sugestão: o Psittacula krameri. Assim sendo, as probabilidades de se tratarem de Periquitos-rabijunco, também conhecidos por Periquitos-de-colar (ambos nomes portugueses para Psittacula krameri), eram tantas quantas as probabilidades que eu tenho em não acertar no Euromilhões.
E foi com esta convicção que nos sentámos à espera dos vivos que sempre aparecem, numa conversa como as cerejas quando zás-tráz!, lá iam os suspeitos, voando sobre as nossas cabeças, entre as copas das árvores, até que mergulharam rumo à Liberdade para… êh-hop! logo ascenderem de regresso, pousando bem a jeito de uma espreitadela e uma disparadela.

Mas… periquitos-de-colar? Aqueles? Como? Só se tivessem deixado os oiros em casa! E só se tivessem pintado os bicos com batom amarelo, posto rímel branco para realçar o olhar e aparado as penas da cauda, afinal sempre é mais prático. O que seriam então estes marcianos-não-identificados? Será o Torel é mesmo um posto estratégico para Marte nos atacar?
Com grande habilidade, forte instinto, persuasão a roçar o doentio e com as graças divinas da Internet, lá descobri que estes marcianos estão disfarçados de periquitões-de-cabeça-azul, Aratinga acuticaudata - aves exóticas originárias do continente sul-americano mas observadas em Portugal e com direito a nome na lista das aves exóticas observadas em liberdade em Portugal continental, de Rafael Matias. Já que são apreciadores de ambientes tropicais, atrevo-me a dizer que este casal se terá encantado pelas palmeiras do Torel, comendo sementes, frutos e flores. Contudo não se registam reproduções no território nacional e em 1998 parece que apenas haviam sido avistados 7 exemplares (dados segundo esta bela página de nuestro hermanos).

Desvendado o mistério da identidade destes seres verdes que sobrevoam o Torel fica no entanto um pouco de frustração sobre a parca informação disponível relativa a vida destes bicharocos em terras lusitanas. Ok, são raros, compreende-se mas eu assim reforço mas é a minha suspeita: estes são mesmo marcianos disfarçados e atenção porque alguma coisa andam a preparar!

Probabilidades contrariadas talvez agora seja boa altura para eu começar a apostar no Euromilhões.

15 maio 2007

A hibernação das andorinhas

300407, Rio de Onor, Bragança Andorinha-das-chaminés
Hirundo rustica


Que uma andorinha não faz a Primavera é frase nossa bem conhecida. Menos conhecida é a teoria sobre a hibernação das andorinhas. A frase chegou aos nossos ouvidos de séc XXI, a teoria evoluiu, actualizou-se perdedendo-se a sua primeira versão. Quem as propôs, a ambas, foi o Senhor Aristóteles, pensador grego que viveu há mais de dois mil e trezentos anos.
Nessa altura pensava-se muito. Havia muitas coisas nas quais nunca se tinha pensado e as conclusões que saíam destes novos pensamentos eram mais vezes aceites do que contrariadas porque, no fundo, havia mais em que pensar.
Quando a Terra era ainda o centro do universo conhecer a causa do desaparecimento e do regresso das andorinhas, entre o início o Outono e o início da Primavera, não pareceria ser assunto merecedor de prioridade. Mas Aristóteles, que pensou sobre tudo, também nisto pensou e em Historia Animalium deixou as suas conclusões sobre o assunto. Disserta que apesar de muitas aves migrarem para (talvez) lugares mais quentes, outros, como as frágeis andorinhas, hibernam, escondendo-se com mestria e poupando-se assim aos trabalhos da migração. Viu Aristóteles, em pleno Inverno grego, andorinhas abrigadas em buracos num estado de adormecimento e despidas das suas penas. Esta teoria foi aceite e os pensadores foram pensar noutras coisas que ainda não tinham sido pensadas.
Quase duas dezenas de séculos depois, vigorando ainda assim as conclusões de Aristóteles, os primeiros naturalistas relataram um fantástico episódio sobre um bando de andorinhas que foi visto em caniçais junto a um pântano. Reuniram-se durante alguns dias, privando depois entre si em voos loucos e majestosos repastos aéreos de insectos. Comiam, engordavam, comiam, engordavam e engordaram até que os juncos onde se empoleiravam se dobraram ao seu peso e elas se deixaram engolir pelas águas, mergulhando para um sono trôpego que duraria todo o Inverno.
Outra história não menos fantástica é a narrada por Olaus Magnus, um arquiduque Sueco, no tempo em que as andorinhas se enrolavam em novelos para se deixarem mergulhar nas águas dos lagos. A história confirmava-se por terem sido recolhidos, pelas redes de pescadores da Escandinávia e ao monte com o pescado, novelos de andorinhas, unidas de bico no bico, asa nas asas, mão na mão. Quando apanhadas, e se aquecidas, estas andorinhas soltavam-se umas das outras e começavam a esvoaçar. Mas a técnica era de evitar porque os animais que acordavam, depois de uns breves segundos morriam, e morriam de vez. Por outro lado, as que passavam a época fria a dormitar, por altura da Primavera começavam a deixar os fundos para regressarem aos claros e solarengos céus.

Quando faltavam 100 anos para Darwin, o conde de Buffont, George-Louis Leclerc, resolveu voltar a pensar sobre esta hibernação das andorinhas. Estava desconfiado! No seu estudo História Natural das Aves justificou a sua suspeita com chatos dados científicos respeitantes à capacidade das andorinhas em estarem 6 meses sem respirar ou 6 meses a respirar dentro de água. E remata o assunto de chofre porque afinal ninguém tinha assistido a um fenómeno tão brutal quanto seria ver bando de andorinhas a mergulhar dentro dos lagos ou, melhor ainda, ninguém as tinha visto sair de lá rumo ao céu da Primavera.
Ao cair do pano do séc. XVIII, um Lazzaro Spallanzani lembrou-se de atar fitinhas aos pés das aves para as identificar e registar as suas movimentações mas a anilhagem em aves com propósitos científicos foi experimentada por um dinamarquês, H.Christian C. Mortensen, que ainda teve de esperar pelo o alumínio.
Mas ter-se-ão assim acabado as histórias mirabolantes e as explicações fabulosas sobre a hibernação das andorinhas? Talvez, no entanto não é menos heróica e fantástica a história da migração de 20 gramas de andorinha que voam 5.000 a 7.000 quilómetros desde África, sobre o deserto e sobre o Mediterrâneo, até ao sul da Europa Primaveril. Uma vez cá, de regresso aos seus ninhos, arranjam-nos num tricot de bolinhas de lama para depois namorarem e chocarem filhotes a tempo de crescerem fortes para poderem regressar à África quando o frio da Europa fizer desaparecer os insectos de que se alimentam. Uns há que não se conseguem devenvolver o suficiente para partirem. São crias de ninhos tardios, demorados a construir à conta da destruição humana. Enfim... pousemos antes os olhos nas andorinhas em bonitos voos de fintas e pesca aérea.

(Gosto destes hoje-absurdos em tempos cridos e queridos por todos. Quais das nossas hoje-certezas vão voltar a ser pensadas?)