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01 novembro 2007

"O Construtor Solness"

http://www.teatro-cornucopia.pt/htmls/conteudos/EEuEZkyEZuzyogOkco.shtml

O Construtor Solness, de Henrik Ibsen, 1892
encenação de Carlos Aladro,
pelo Teatro da Cornucópia, 2007

Bem sei que as representações estão mesmo no fim e é à vontade que aposto que todos os leitores deste blog já foram espreitar os artistas da Cornucópia (parece-me que 93% deles foram juntos!). Mesmo assim, sem o propósito de convencer vivalma, sem o propósito de partilhar uma experiência única aos que não terão ido e sem a intenção de vir para aqui, mais uma vez, despejar uma carrada de elogios àqueles senhores, sinto que tenho de escrever mais um post sobre o trabalho que eles fazem ou, melhor, sobre o que sinto quando assisto ao resultado do trabalho que eles fazem.

A vida ocupada que tenho tido (nota-se!) levou-me desta vez à plateia do Teatro do Bairro Alto sem ter lido quase nada sobre a peça. Do dramaturgo, o norueguês Ibsen das barbas engraçadas, já tinha gostado muito da Casa da Boneca, pela Companhia Teatral do Chiado, que vi há uns anos (ui há 3? Já?!!).

Mas deste Construtor eu pouco mais sabia para além do que o título sugere e do que lera algures sobre uma jovem (Beatriz Batarda) que havia de aparecer na vida de Solness (Luís Miguel Cintra) para lhe cobrar uma promessa que este lhe fizera há 10 exactos anos.

Não sei se terá sido por esta ausência de pistas; se por ter esperado, durante duas semanas, que chegasse o dia da nossa ida (e não é que naquele Domingo acordei excitadíssima com o programa para a matiné).

A verdade é que logo que a peça começou eu fui por ela engolida. Engolida, engolida. Fui parar à pança daquele ogre comilão de boca grande assim que o velho e doente Knut Brovik fecha a porta da sala de trabalho para poder falar com o construtor Solness em particular. Senti-me, de repente, impelida a me levantar, a sair dali porque era só o que faltava ficar a escutar aquela conversa que ele queria privada. A tempo me lembrei que estava "apenas" na assistência e deixei-me ficar sentada quietinha, aceitando ser parte da digestão daquele ogre. Lá fui enrolada para trás e para frente,

(por um enredo realista ou fantástico? por verdades ou mentiras? por um Solness duro ou terno? um Solness Deus ou Solness suicída? por uma Hilde infantil ou sábia? por uma crítica ao confronto de gerações ou à tristeza da vida burguesa? Ai e tantos pares mais houve que nem sei se é justo deixar estes aqui escritos)

lá fui vítima daqueles sucos gástricos que me tiraram os habituais super-poderes de espectador, nunca me deixando, nunca sequer me deixando tentar, antecipar-me à acção. O raio dos sucos fizeram-me acreditar que o que estava a ver não era um enredo: era um É Mesmo A Sério.

No fim, nas vénias que aqueles artistas-mágicos faziam ao som das palmas teimosas da assistência, procurei de imediato a cara da Teresa Sobral e suspirei quando a vi sorrir e me acalmei por ela não ser só a Aline Solness, mãe sem filhos ou mulher sem bonecas? que vivia há uma dúzia de anos mais triste e mais morta e que alguém já enterrado.

Finalmente o ogre cuspiu-me. Devolveu-me à Terra mas deixou-me cair do alto e ainda demorei uma noite inteira a recuperar desta experiência brutal.

De ver e chorar por mais bilhetes que já não há!

21 julho 2007

Mastro Matrix

Na passada quinta-feira fomos até ao anfiteatro ao ar livre junto ao edifício principal da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa, para aí assistirmos a um número de "novo circo" na disciplina do mastro chinês, uma variável de acrobacia ao trapézio, à corda, ou ao chão. É um prumo vertical, com cerca de seis metros de altura, onde o artista mostra as suas habilidades, quer aos espectadores, quer à senhora força da gravidade. Este número chama-se Contigo.

João Paulo Pereira dos Santos é o acrobata. Começou pela Capoeira, foi aluno do Chapitô, depois seguiu para França para a École Nationale de Cirque em Rosny e de seguida para o Centre Nationale des Arts du Cirque em Chalon. (deixo os links das escolas para alguém em busca do que fazer para o próximo ano lectivo!). E nestas andanças ganhou o gosto e depois o destaque no mastro chinês. Em 2004 fundou a companhia O Último Momento com o músico Guillaume Dutrieux. O Contigo é a sua segunda produção, a primeira foi (Peut-être) logo em 2004.
João Paulo Pereira dos Santos é também videasta autodidacta, autor de umas dezenas de vídeos com principal destaque para "Voar" (encomendado pela S.A.C.D. para um festival de circo e teatro de rua, o Furies) sobre um tal de Ícaro que sobe a num mastro, interpretado pelo próprio acrobata.

Rui Horta é o coreógrafo. Começou por estudar dança na tão-mas-tão-mas-tão saudosa companhia do Ballet Gulbenkian. Dançarino, professor, coreógrafo pelo mundo fora regressou a Portugal em 2000 para criar e hoje dirigir O Espaço do Tempo, um centro de artes transdisciplinares, em Montemor-o-Novo, promotor e anfitrião de experiências de arte do espectáculo.

Logo no início do nosso Contigo ouvi o mastro dizer com secura ao marinheiro: Não consegues, não consegues! O que o mastro não sabia era que este marinheiro também é acrobata e sem hesitar, num rigor de milímetros mas sem qualquer travo metálico de estilo robot, o marinheiro fez do mastro o que bem entendeu. Saltou, trepou, subiu, equilibrou-se, sentou-se, dançou, escorregou, balançou, rodopiou, afrontando o mastro com a ajuda de uma música que se lhe colava aos movimentos. Sem falhar, sem corrigir mas sendo gente com expressão e encanto. Entre tudo isto, o marinheiro executou (eu nem sei se vi bem mas pareceu-me mesmo que executou...) um salto mortal para trás a partir e para o meio do mastro (não, não fez um salto do topo do mastro, foi a meio do mastro). Por três vezes caiu-me o estômago ao chão.

Em suma? Qual Neo qual agent Smith, o João Paulo dos Santos mostrou o que é desafiar a senhora gravidade e o senhor tempo sem recorrer a efeitos especiais, pelo menos daqueles conseguidos por computador. Foi de longe melhor, muito melhor que o Matrix! Vale uma grande salva de palmas, daquelas que se dão aos verdadeiros artístas de circo.

Há tempo (desde o tão-mas-tão-mas-tão saudoso Ballet Gulbenkian) que não saía destes espectáculos de "habilidades com o corpo" com vontade de me fazer mexer imitando os artistas. Finalmente senti-o esta noite e achei que podia libertar a energia latejante saltando ao eixo num "frade" (aqueles pinázios anti-carro) que me apareceu logo ali no passeio (logo é mesmo logo quando gente e mais gente saía ainda do anfiteatro). Confesso-vos que afinal o “frade” era apenas um apoio daquelas fitas que se desenrolam para controlar o acesso a lugares e fiz uma triste figura quando, depois de um salto à parva, o terminei sem arte, com o “frade” arrancado ao chão, e a menina dos bilhetes a levar a mão à boca. Bem, pude vingar-me a caminho de casa trepando pelos sinais de trânsito. Não apareceu nenhum senhor polícia porque aquela hora devem estar a tomar café, mas ainda assim apareceu-me uma valente cãimbra. Enfim… são provas da qualidade superior deste espectáculo.

O Contigo estreou em França, em 2006 no Festival de Avignon e com grande sucesso. Em Fevereiro passado teve estreia portuguesa no CCB, em Junho esteve em Serralves. Com sorte ainda se poderá ver em digressão pelo mundo.
Em Scenes de cirque espreitem um pequeno vídeo e no site da S.A.C.D outras coisas.

18 junho 2007

"Quando o Inverno Chegar"

texto de José Luís Peixoto
encenação de Marco Martins
pelo Teatro São Luiz, 2007

Heróis? Beatriz Batarda!, Dinarte Branco! Admirações? José Luís Peixto; João Mendes Ribeiro. Referências? Marco Martins e Nuno Lopes. Não estar a ver quem é? Gonçalo Waddington (... ah afinal é este!).
Sem dúvida um conjunto de ingredientes do melhor que há. Assim como uma ida ao Corte Inglês - mas uma ida desprendida das custas - para comprar as coisas do jantar de amanhã! Com gosto e dedicação se misturam, se cozinham e se apuram os ingredientes mas no final temos três ou quatro pratos gourmets, cada um exibido com estilo num prato de serviço diferente, e com mestria encantando cada canto da mesa. Até condizem. Comem-se, satisfazem-nos mas a refeição sabe a foguetão vai-e-vem, a centopeia desmembrada, a estilhaçado. Não se aconchegam na barriga com a devida juntura. Foi mais ou menos assim que me senti ao digerir este Quando o Inverno Chegar. (Também gosto de pensar nesta peça como “talvez uma manta de retalhos bonitos, que até condizem, mas que não aquecem”.)

No programa do espectáculo explica-se o resultado desta empresa apregoando tratar-se de uma missão de cumplicidade entre as ideias dos protagonistas de cada uma das artes do teatro: encenação, texto, actores trabalhando num conjunto desde o início. Um princípio interessante! Como escreve José Luís Peixoto, é bonito pensar no teatro como a "arte do encontro". O problema foi que as personagens não se “encontraram”. Cada uma foi forte como pode, coerente com si mesma, mas depois… lá está o jantar não se aconchega na barriga nem a manta de retalhos nos aquece as pernas.
A criação das personagens não foi aqui deixada a Deus Nosso Senhor. Também depois da leitura do programa, vim a saber que a equipa se baseou numa coisa-moderna que é o método de Mike Leigh (nome do realizador de Vera Drake que, entre outras coisas, é adepto de deixar os actores criarem as personagens, eles próprios, recorrendo a largos momentos de improvisação e a um forte e constante diálogo entre os actores e o realizador). Em Quando o Inverno Chegar talvez tenha faltado pulso ao encenador e a determinação com que cada actor construiu a sua personagem talvez se tenha sido forte demais.

Mas também de coisas bem conseguidas se fez a noite passada. Para começar, ao levantar do pano os queixos dos presentes caíram, em uníssono soltaram Ooohs e Aaahs! O cenário é de uma beleza exacta. É um "Xiça que coisa bonita, do mais bonito que vi!!". E põe em prática, com eficácia, a ideia de em apenas um cenário se conseguirem criar espaços que capazes de se individualizar de todo o conjunto.

(Dois à parte relevantes: não se pode deixar de fazer referência ao abuso que foi abater aqueles pinheiros enquanto jovens. Pensamos que com certeza vão dali para tábuas e de tábuas para estantes que guardam livros. Não está mau. Mas talvez seja mais provável que acabem antes em palitos ou lenha de enfeitar. Bom, e não ainda menos se pode deixar de fazer referência à antipatia dos arrumadores do São Luiz! Não metam lá umas meninas giras não, assim nunca mais animam aqueles homens caretas, e a factura vem debitada à ordem dos espectadores (ainda mais se tiverem ido à borla). E aparte-se o à parte.)

E claro, lá bem do cimo desta montanha mágica (inspirada na montanha de Thomas Mann) os heróis Batarda (é só mais uma coisita) e Dinarte reforçaram o seu posto altaneiro. Naquele sanatório, onde a inércia e o medo de mudar e de arriscar mandam mais que a teimosoa tuberculose, parece-me que só a esperançada Menina Lena se fartou de esperar pelo seu noivo Lucas. Os três doentes, esses, vão ficar à espera de Godot. Ou do Inverno.

(É a Gaivota que nos trama. Ainda.)

14 junho 2007

"A Gaivota"

A Gaivota
de Anton Tchekov, 1896

Esteve já em cena, vai para mais de um ano, esta mesmíssima Gaivota de Tchekov. É portanto boa de chorar por mais, ou não teriam as sessões estado tão esgotadas que até deu direito a este novo conjunto de espectáculos!

Anton Tchekov nasceu no sul da Rússia em 1860 e morreu na Alemanha em 1904. Estudou e exerceu medicina mas, segundo ele próprio, amantisou-se com a literatura. É autor de outras peças de teatro mas também de muitos contos cheios de tristeza e humor russos - pensando bem (ou pensando só) um belo propósito para uns post's.

Sobre esta peça pouco me atrevo a deixar escrito (liguem-me para o telemóvel se me quiserem ouvir!). A sua estreia em Outubro de 1896 foi estilo catástrofe com tudo a correr mal e o público a fazer chacota da representação. Escrita como comédia em quatro actos acaba num final trágico, e recheia-se contendas artísticas entre gerações, de alguém que ama outro que ama outro que ama outro que ama todos, mas sem um enredo espalhafatoso, e tantas vezes visto mesmo como não tendo acção, como sendo parado.
Logo no primeiro acto um dos personagens, Treplev - o escritor jovem, começa por defender que o teatro não tem nada que representar a vida! E resumo os meus pensamentos: esta peça é um bocado de vida. Um bocado de uma vida que não é a minha, mas que consigo ver e sentir da mesma forma com que só eu vejo e sinto os bocados da minha vida. É um condão conseguirem levar-nos (no teatro, na televisão, onde for…) assim para vida. Vale o Tchekov, vale o Cintra, valem os intérpretes, vale o cenário até quando não lá está. Vale o teatro, ora pois!

Espreitem a ficha técnica e o texto do Luís Miguel Cintra que dá para ler umas quantas vezes sem nos fartarmos. Fica também o horário da bilheteira e a localização do Teatro do Bairro Alto (que não é no Bairro Alto!). Sigam!

Claro que não resisto a deixar isto, para os mais corajosos, ou a recomendar isto, para todos!
Já vi três vezes... e está tudo dito!, como diz Sorin.

12 junho 2007

oh mighty Beastie Boys!

11.06.2007, Aula Magna, Lisboa

Para mim pouca diferença há entre dispor-me a assistir ao Berlioz no Coliseu dos Recreios ou aos Beastie Boys na Aula Magna. À partida não sou grande especialista nem conheço de cor quer um quer outro, e à chegada a diferença também não foi muita. Cada um deles: Grande Bomba! (estamos sempre a aprender!)

Os Beastie Boys são um trio de nova iorquinos brancos esticadinhos com ascendência judia e ligações aos bairros de Brooklyn e Manhattan. Do que andei a investigar, descobri (entre outros, aqui e acolá) que os Beastie Boys começaram por ser, em 1981, um quarteto. Só em 1984 o grupo passou ao trio dos dias de hoje, quando o Adrock se juntou a MCA e a Mike D. Ao álbum Paul's Boutique, de 1989, os estudiosos aplicam o rótulo de "charneira" ou "breakthrough": deixaram de ser white wanna be rappers. De inspiração funk, o álbum recheia-se de loops, funky beats, scratches e samples. Estes últimos, os samples (sons, frases, trechos de outras músicas reciclados, das mais diferentes formas e feitios, e posto dentro de um nova música), foram em Paul's Boutique uma inovação e o pontapé de saída para tudo o que viria a ser feito sobre o hip-pop. (e lá está, sempre a aprender!) Esta coisa dos samples deve ter muito que se lhe diga. Para começar torna as músicas mesmo divertidas. Ainda há pouco, numa das músicas que estava a ouvir do Paul's Boutique, cruzei-me com um bocado de um programa de rádio, depois foi o Johnny Cash!
Uma breve procura no Google devolve-nos uma pilha de atitudes associadas aos Beastie Boys: hip hop, rock, punk rock, mcing, funk, jazz e responsabiliza-os por serem os precursores de coisas estranhas como o Rapcore ou o nu metal. (e de novo sempre a aprender!)
Bom, e posto isto parece-me que os Beastie Boys são mesmo a Pangeia dos sons novos que se ouvem!

O espaço da Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa é um espaço muito especial. Pequeno, caseirinho, com uma audiência que se espraia para o palco numa forma que, aposto eu, encantará os próprios artistas. O espectáculo de ontem chamava-se Gala Event – Exclusive Instrumental Show, antecipando o álbum instrumental que os Beastie Boys vão lançar em breve.
Ali dentro daquela sala juntaram-se e aconchegaram-se as emoções de cada espectador, que foram crescendo à medida que também os Boys se punham à vontade e trocavam brincadeiras de puto entre eles. Foi muito bem disposta a sua atitude para com o público e os VIP's, sentados nos cadeirões dos reitores. Trocaram-se bengalas, piropos, danças e até um verso rapado por uma menina da audiência teve resposta espontânea pelo Dj de serviço. A conversa daninha que surgia entre os três durante o intrevalo entre as músicas poupou-nos à habitual fita dos encores. E foi um fartote de rir assistir àquela desconversa entre os três, sobre que música iam tocar no final. O Adrock disse a duas ou três que não, essa não sabia. E lá acabaram de microfone em punho a dialogar enquanto o senhor das teclas subiu para o seu instrumento e se pôs a tocar com os pés (sim, calçado!) - depois partiu o microfone e ainda bem que não houve mais nada a seguir, não fossem partir-se braços ou pernas.

Vamos esperar para ver aqui o que vão os Boys dizer da sua experiência na Aula Magna.
E entretanto o The Mix-Up que "spits hot fire" sai já-já no próximo 26.

Sabotage
Ill Communication, 1994

do então desconhecido Spike Jonze

29 maio 2007

"Shortbus"

realizado por John Cameron Mitchell
2006

A ideia de um filme cheio-cheio de sexo e sexos a bailarem às claras, sem planos filmados de esguelha nem fades estratégicos ou violinos chorosos e que ainda por cima partilhe salas com os blockbuster é, apostaria, uma ideia muitos e de há muito.

É certo que a história de Shortbus tem algumas coisas de estilo convencional, e que já se viram melhor exploradas noutras situações do cinema que está na moda: tem histórias de personagens com vidas muito maradas e que teimam em cruzarem-se umas com as outras; tem gente americana deprimida e infeliz com a sua vida; tem as twin towers; tem a frustração de uma mulher que não pertence ao talgrupo e tem um grand finale com uma festa de cantoria folclórica. Mas estas vidas, esta gente, esta mulher, ou esta banda, que já andaram noutros lados, aqui despem-se de preconceitos e de roupas, sem despropósitos e sem escândalos.
Talvez Shortbus seja um princípio para que, no cinema, o sexo apareça com mais desígnio e deixe de se resumir às lamechices da treta que escondem pudores fora-do-prazo.

Este filme foi um belo remate para um dia onde coincidências acumuladas fizeram saltar a rolha de um espumante rosé.

(carregar na foto para ver onde se exibe este filme)

28 maio 2007

Afoito Berlioz

27.05.07, Coliseu dos Recreios, LisboaEla andava intrigada com esta questão já há coisa de duas ou três semanas. Na verdade, aqueles bonitos sons podiam até ter aparecido antes, não sabia precisar ao certo porque no início mal dava por eles. Depois prestou-lhes alguma atenção mas a cada noite que passava o agrado crescia e agora o gosto era maior, agora ela encantava-se com aquilo. Ficava parada estendida no chão até sentir, por todo o seu corpo, a vibração dos suspiros chegados naquele som, depois esticava ora o pescoço ora a cauda que ondulavam ao ritmo da música e, no final, deixava-se enrolar pelo prazer de um calor sobre as suas escamas. Era um prazer que desconhecia poder chegar-lhe assim, tão bravio, vindo do ar, no meio do escuro.
Ah, mas esta noite ela vai atrever-se. Vai. Vai sair daquela nesga onde se recolhe mal o sol se põe. Vai ver que príncipe é afinal capaz de tal habilidade. Vai talvez com ele casar ou, se não puder, de amor por ele vai morrer.

E seu dito, seu feito, a lagartixa Afoita Tixa subiu esta noite ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para assistir a uma sinfonia fantástica de Berlioz, a terceira peça do programa apresentado pela Orquestra Sinfónica de Londres.
Depois da emoção do concerto em sol para um singelo piano de Ravel, interpretado por Javier Perianes, que lhe provocou uma série de tremeliques, foi só graças ao intervalo que recuperou a tempo de se ir colocar sobre o estrado do maestro. Antes do começo ainda um violinista a enxotou de lá com o seu arco, a meio ainda ela se afastou para melhor ver aquele príncipe-artista condutor, em pleno crescendo da sinfonia ainda ela se atreveu a subir pela perna de um violoncelista (que sem perder a postura, e com alguma doçura, a sacudiu logo que pode). Da última vez que a vi tinha, depois de outra tentativa frustrada em subir para o colo de um músico, parado no degrau das harpas. Talvez dali conseguisse ver bem o seu príncipe-artista, o seu animal mímico de batuta em punho. Talvez o maestro Daniel Harding tenha dedicado o encore à Afoita Tixa, a tenha vindo cumprimentar depois e quem sabe se lhe deu um beijo desencantador e a transformou numa linda princesa, com quem casou e com que já vive feliz há muito e muito anos.

Ora imagine então quem quiser as condições em que vivia a Afoita Tixa nas nesgas bolorentas do palco do Coliseu dos Recreios. Imagine quem quiser o que esconde aquela alcatifa vermelha descolada nas pontas, o que está sob aquele chão de madeira pintado a tinta gasta ou atrás do aglomerado de madeira riscada a esfarelar. E imaginem também as conversas da noite entre os músicos e as conversas que vão levar para casa (e lembro-me agora das que trouxemos de África).
Eu calculo, e ponho as minhas mãos no lume, em como a Afoita Tixa aprecia a sala do Coliseu e a música que nela se faz com mais gosto e estima do que os engenheiros que desta sala deviam cuidar.

18 maio 2007

5ª.feira de Espiga, S.G. sem espinhas

17.05.07 No Maria Matos, até Domingo 20, Sérgio Godinho (em) ligação directa. Se recomendo? Corram já à bilheteira, leiam o post depois.

A minha mãe deve-se ter fartado de ouvir o Godinho enquanto estava grávida de mim, depois deve-me ter embalado ao som do Godinho e depois ainda, quando me achou crescidinha, deu-me para a mão o LP Duplo Era uma vez um rapaz e ensinou-me a mexer no gira-discos, com jeitinho olha que risca. Hoje em dia partilhamos entre nós a custódia dos CD's (se não todos, quase todos) do SG, se grandes bulhas mas com alguma negociação.

A experiência que é assistir a cada concerto do Godinho e seus novos Godões tem um quê do que me parecer ser ao que se chama milagre. Ontem ouviram-se as prometidas 25 músicas, umas quantas do novo álbum Ligação Directa, outras quantas sem o serem.

Mas de um músico com tantos anos de carreira e para este meu ouvido viciado em Godinho, de “antigo” ali nada se ouviu. Tudo me soou a novo! Tudo batido em claras, numa única e impecável surpresa que só a sábia generosidade do Godinho pode dar às suas músicas quando as deixa serem inspiradas pelo dom do Nuno Rafael e o trabalho daquela empenhada equipa. Músicas antigas, mais antigas do que eu e daquelas que conheci antes mesmo de nascer, foram postas a demolhar num caldeirão do elixir da juventude e ficaram, outra vez, muito bem neste seu novo visual. Num repertório com mais intervenção do que romance, com um gomo de tangerina ritmado por um teclado numa antiga máquina de escrever, com um homem fantasma apresentado por coro alentejano, com um relógio de cuco na casa onde alguém vai dar devagar.

E todos os créditos para: Nuno Rafael, pensador, nas guitarras, toca também máquina de escrever; Miguel Fevereiro em ainda mais guitarras; João Cabrita, um resistente dos habituais três assessores de Godinho, nos sopros e alguns coros; João Cardoso no piano, teclados e muito animação; Sara Côrte-Real no coro, teclado, percussão e a afiar a espada do velho samurai; Nuno Espírito Santo, o mais alto, fica no baixo; Sérgio Nascimento, um animal da percussão, numa bateria híbrida de batida portuguesa traz puros o seco som do tambor e o solto som da pandeireta; Godinho na batuta, sempre em plena ascensão!

ui, foto não autorizada

16 maio 2007

Freire nada mal

Estranha semana esta com o lançamento de dois livros por dois autores tão especiais.
Desta vez são as Memórias, de João Freire: Pessoa comum no seu tempo, das Edições Afrontamento (com página da net actualizada pela última vez a 12.02.2007, ou seja ainda não há links para esta obra e não me apetece deixar aqui o link para a Editora). Aconteceu no ISCTE, na terça dia 15.
Um título à primeira vista paradoxal. Não se pode tratar de uma pessoa comum ou as estantes das livrarias estariam à data cheias de biografias de portugueses.
É certo que a etiqueta de herói, de pessoa não-comum, flutua ao sabor do contexto em que se envolve cada geração: Aristóteles herói pensador, Infante Dom Henriques herói navegador, Einstein herói físico, Freire herói idealista. Mas como serão escritas as Memórias dos que hoje têm 20 ou 30 anos? Vamos ser heróis de quê? Parece-me que a nossa geração não vai ser herói de coisa alguma ("coisa" das que valham a pena). Será que vamos eternamente sentir que desiludimos os heróis idealistas.
(ah! teremos as memórias do Cadilhe!)

14 maio 2007

Cadilhe no seu melhor

Já saiu a nova obra de Gonçalo Cadilhe, o nosso mais do que assumido herói! Em África Acima reúnem-se as crónicas já publicadas no jornal Expresso e intercalam-se algumas das melhores fotos, a cores, à semelhança dos seus livros anteriores.
O lançamento do livro foi hoje e foi ao estilo do melhor de Cadilhe: na Fnac do Chiado, uma sessão fotográfica restringida aos que apareceram também para ouvir as histórias contadas com a graça espontânea que lhe vimos na defesa do Infante como melhor Português de Sempre.
Depois de amanhã, Gonçalo Cadilhe parte para a sua próxima aventura, que não chama de viagem. Tem um muito bem definido percurso de investigação biográfica! A acompanhar nos próximos números da revista Única, com calma - para quem conseguir não se enervar com a espera pelos Sábados.
Ainda assim, Boa Viagem!

08 maio 2007

Mon Oncle

em exibição...
realizado por Jacques Tati
1958

É um filme quase mudo mas que fala pelos cotovelos!
Fala pelas imagens: a casa e o mobiliário “designados” dos Arpel e as linhas das novas estradas que circundam Paris, a casa e as escadas dos Sr. Hulot, as cores da vida deste antigo quarteirão de Paris; fala pela banda sonora de Franck Barcellini e Alain Romans que, por vezes, até entra pela acção a dentro; e fala pelo som dos movimentos dos personagens: os saltos altos no passeios, os vestidos na Madame Arpel, o repuxo, os engenhos mecânicos que dominam a cozinha dos Arpel, os assobios marotos dos miúdos e as cabeçadas nos poste, o rosnar do cão à cabeça do peixe-espada, o canto do canário encantado com a luz do reflexo…
É um filme cheio de filmes!

“Monsieur e Madame Arpel moram numa casa moderna num bairro asséptico. Neste universo de estilo não há lugar para divertimento, imprevistos ou humor e o filho, Gérard, aborrece-se. Mas eis que surge o seu tio, Monsieur Hulot, irmão da Madame Arpel, um personagem deslocado e inadaptado vindo de um caloroso e caseiro mundo em extinção para dar lugar a um universo confortável, high-tech, clean. Para grande divertimento do seu sobrinho, Hulot provoca a desordem na casa dos Arpel e semeia problemas na empresa Plastac.
O assunto? Monsieur e Madame Arpel têm tudo, alcançam tudo o que ambicionam e na sua propriedade tudo é novo: o jardim é novo, a casa é nova, os livros são novos. Penso que é preciso preveni-los, alguém devia sussurrar à orelha do Monsieur Arpel: atenção, um pouco de humor de vez em quando! O vosso filho só tem 9 anos e parece-me que não têm interesse em se divertirem nem em brincarem com ele. Parece uma mensagem mas não o é: acho que temos a liberdade de dizer a um senhor que esteja a construiu uma casa nova: atenção! Está talvez demasiado bem.”
Texto de Jaques Tati, traduzido do francês partir do sitio oficial Tati Ville

17 abril 2007

História Trágica com Final Feliz

animação de Regina Pessoa
2005

Com a voz da Manuela Azevedo, dos Clã, esta é uma curta metragem de Regina Pessoa, vencedora de prémios para todos os gostos. São serigrafias a mexer que contam a história de uma menina com coração de pássaro, um coração que batia tão alto que incomodava os ouvidos bairro. Não será uma história tão trágica, ter coração de pássaro não me parece má ideia. O final, sim, é feliz.
Sai como um brinde no pacote do Il Caimano, de Nani Moretti.