12 outubro 2007

É oficial: tenho telemóvel!

Riam-se entre dentes ou à descarada, batam com a mão na testa, deixem tremer de pasmo a vossa caudinha diabólica. Chorem, rebolem escarlates, trepem ao telhado do maior arranha-céus de Sacavém. Surpreendam-se ou repreendam-me: Toma lá, vês? Um dia havia de chegar. Também tu és uma comum mortal! Ou em alternativa: bocejem e não leiam o post.

E foi mesmo, o dia chegou. Chegou há cerca de um mês atrás quando esta minha vida deu um nó de escota difícil de gerir não fosse esta coisa que agora me acompanha tal cão de estimação, tal medalha de fio de oiro herdada, tal pulseira do São Salvador da Baía. Chegou o dia em que deixou de me ser suficiente parasitar o telemóvel Nokia do Quico ao ritmo de dois ou três minutos por mês. Depois de um período à experiência, deixei-me de tretas e assumi a relação com o telemóvel. Bagh!

Mas o raio do bicho tem que se lhe diga. Tomar conta dele não é coisa fácil e, com a minha idade, responsabilidades delgadinhas como esta custam a tornarem-se hábitos.
Tem sido uma aprendizagem esforçada:
- agora tenho mais um artigo a não esquecer quando se saio casa e que vem esticar ao limite a capacidade dos bolsos de calças ou casacos;
- tenho também mais número secreto a memorizar (e estou à espera do dia em que vou insistir com este PIN numa caixa Multibanco);
- o bicho precisa de ficar acorrentado à electricidade dia-sim, dia-não e, quando em fins-de-semana fora, até precisar de um necessaire para levar o seu carregador (ca betinho!);
- gasta mais aos cem que o próprio UMM;
- ainda hoje ando a tentar memorizar o seu tom de voz para consiguir reagir atempadamente ao seu chamamento (e arre que não vou lá! É ouvi-lo tocar, tocar, tocar, cada vez mais alto, cada vez em tom mais agudo, cada vez mais desesperado enquanto o vibrador se sobrepõe à melodia e lhe dá um agressividade de animal rugindo aos pares e ameaçando trincar-me assim que carregar no Aceitar. E enquanto isto dura eu abro pelo menos 50 fechos de 50 algibeiras num casaco ou mochila que só tem dois bolsos!!)
- quanto a controlar o tom de voz de chamamento das SMS, disso já desisti mesmo. Estou farta de procurar mas este bicho não tem um apito dos normalizados e nunca, nunca oiço um SMS a chegar;
- o que mais me demorou a descobrir, e aprendi-o às custas de falhar recados importantes, foi que o bicho precisa de estar ao pé das janelas a apanhar ar e a entreter-se com quem passa lá em baixo. É que esta casa não tem rede no seu interior, é casa-à-prova-de-bruxas;
- outra coisa que demorou foi encontrar as SMS que guardava para mais tarde enviar. (Já sabem? Este bicho arruma as Mensagens Guardadas na pasta das Mensagens Enviadas, na sub-pasta das Não Enviadas!);
- também deixei de poder fazer a piadinha de dizer, perante um telemóvel que apita, "este não é o meu". Aliás, no outro dia tentei armar a gracinha mas foi-se a ver e era mesmo o meu!,
- e no meio disto tudo lá vou aprendendo esta forma de comunicar ao estilo do "mando um toque" e do "depois ligo-te para combinar que te ligarei mais tarde para combinar mesmo";

Claro que este bicho foi-me dado (a minha loucura não vai tão longe). Era quase-refugo de generosa alma possuidora de um bisneto de outra moderna geração tecnológica. Foi assim que me calhou um Alcatel que tecla "SIM" onde o Nokia teclava "ESCAPE", que "ABORTA" onde o outro "CONFIRMAVA" e que assim me tirou do sério, me fez perder horas a tentar mandar SMS, me fez "desistir" de chamadas que queria atender, me levou a apagar contactos que queria guardar e me fez bater com a cabeça duas vezes em sinais de trânsito e chocar outra meia dúzia delas com transeuntes.

É verdade que o bicho tem vantagens, mas ainda estou convencida que usufruem delas mais os outros do que eu.
O pior, ou o mais triste, é que este Alcatel sabe muito pouco do nosso querido português. Não tem acentos ´, ` ou ^ (excepção feita ao "à"), nem tem ~~ sobre os AA. Vale-me que tenha um N com ~, não vá eu precisar para añunciar o dia do meu cumpleaños.
O melhor é que basta carregar em três teclas para fazer o bicho calar-se até que me apeteça!

Mal o oiço, poucas vezes o trago comigo, menos lhe carrego a bateria e do saldo nem vos conto. Em resumo: não me liguem, é mais seguro mandarem um mail!

Riam-se, tremam a cauda, chorem, rebolem, surpreendam-se mas reparem que à conta do telemóvel e desta vida de comum mortal o Respigo desbotou!