18 junho 2007

"Quando o Inverno Chegar"

texto de José Luís Peixoto
encenação de Marco Martins
pelo Teatro São Luiz, 2007

Heróis? Beatriz Batarda!, Dinarte Branco! Admirações? José Luís Peixto; João Mendes Ribeiro. Referências? Marco Martins e Nuno Lopes. Não estar a ver quem é? Gonçalo Waddington (... ah afinal é este!).
Sem dúvida um conjunto de ingredientes do melhor que há. Assim como uma ida ao Corte Inglês - mas uma ida desprendida das custas - para comprar as coisas do jantar de amanhã! Com gosto e dedicação se misturam, se cozinham e se apuram os ingredientes mas no final temos três ou quatro pratos gourmets, cada um exibido com estilo num prato de serviço diferente, e com mestria encantando cada canto da mesa. Até condizem. Comem-se, satisfazem-nos mas a refeição sabe a foguetão vai-e-vem, a centopeia desmembrada, a estilhaçado. Não se aconchegam na barriga com a devida juntura. Foi mais ou menos assim que me senti ao digerir este Quando o Inverno Chegar. (Também gosto de pensar nesta peça como “talvez uma manta de retalhos bonitos, que até condizem, mas que não aquecem”.)

No programa do espectáculo explica-se o resultado desta empresa apregoando tratar-se de uma missão de cumplicidade entre as ideias dos protagonistas de cada uma das artes do teatro: encenação, texto, actores trabalhando num conjunto desde o início. Um princípio interessante! Como escreve José Luís Peixoto, é bonito pensar no teatro como a "arte do encontro". O problema foi que as personagens não se “encontraram”. Cada uma foi forte como pode, coerente com si mesma, mas depois… lá está o jantar não se aconchega na barriga nem a manta de retalhos nos aquece as pernas.
A criação das personagens não foi aqui deixada a Deus Nosso Senhor. Também depois da leitura do programa, vim a saber que a equipa se baseou numa coisa-moderna que é o método de Mike Leigh (nome do realizador de Vera Drake que, entre outras coisas, é adepto de deixar os actores criarem as personagens, eles próprios, recorrendo a largos momentos de improvisação e a um forte e constante diálogo entre os actores e o realizador). Em Quando o Inverno Chegar talvez tenha faltado pulso ao encenador e a determinação com que cada actor construiu a sua personagem talvez se tenha sido forte demais.

Mas também de coisas bem conseguidas se fez a noite passada. Para começar, ao levantar do pano os queixos dos presentes caíram, em uníssono soltaram Ooohs e Aaahs! O cenário é de uma beleza exacta. É um "Xiça que coisa bonita, do mais bonito que vi!!". E põe em prática, com eficácia, a ideia de em apenas um cenário se conseguirem criar espaços que capazes de se individualizar de todo o conjunto.

(Dois à parte relevantes: não se pode deixar de fazer referência ao abuso que foi abater aqueles pinheiros enquanto jovens. Pensamos que com certeza vão dali para tábuas e de tábuas para estantes que guardam livros. Não está mau. Mas talvez seja mais provável que acabem antes em palitos ou lenha de enfeitar. Bom, e não ainda menos se pode deixar de fazer referência à antipatia dos arrumadores do São Luiz! Não metam lá umas meninas giras não, assim nunca mais animam aqueles homens caretas, e a factura vem debitada à ordem dos espectadores (ainda mais se tiverem ido à borla). E aparte-se o à parte.)

E claro, lá bem do cimo desta montanha mágica (inspirada na montanha de Thomas Mann) os heróis Batarda (é só mais uma coisita) e Dinarte reforçaram o seu posto altaneiro. Naquele sanatório, onde a inércia e o medo de mudar e de arriscar mandam mais que a teimosoa tuberculose, parece-me que só a esperançada Menina Lena se fartou de esperar pelo seu noivo Lucas. Os três doentes, esses, vão ficar à espera de Godot. Ou do Inverno.

(É a Gaivota que nos trama. Ainda.)

2 comentários:

RPL disse...

Fui ver esta peça esta semana, assim como fui ver A Gaivota - finalmente - a semana passada.

Quanto a esta: desonestidade intelectual foi a principal impressão com que fiquei. E esse é dos maiores pecados no meu livro, o que explica o que escrevo abaixo.

A história não tem fio, é sobre incesto, gravidez indesejada, frustrações, possível homossexualidade, medo de viver, amizade, competição, dificuldade de aprendizagem, freiras, etc, etc, etc. A história parece ser sobre quase tudo mas para mim sobre nada. Nada é desenvolvido a sério, toca-se em várias coisas, 'enche-se' a coisa, como se decorar uma casa fosse encher as paredes de móveis. Quanto mais cheias, mais bonitas. Essa parece ser a filosofia desta peça.

Não há subtilezas, existem mesmo momentos de rudeza e vulgaridade inconvenientes e deslocadas. Tem umas tiradas humorísticas bem escritas mas que não se adaptam de todo ao texto, uma estrutura forçada - o que é e para que serve aquela segunda parte? - e as interpretações ... parece haver uma confusão entre conseguir expressar emoções fortes e ser bom actor (ou actriz). A Beatriz Batarda inventa uma voz de parva, para fazer de parva, com cara de parva. Lamento informar, mas a malta 'operária' é mais complexa do que isso. E está vestida e tem um diálogo de 'Alice no País das Maravilhas'. Que não deixou de fora o seu coelho, nervoso e mandado, que até imita um cão (estamos a falar de um sanatório ou de um manicómio?). Temos também o 'Princepezinho' a fazer de Joker do Batman. E depois temos um actor frustrado, mas não é nenhuma alma sensível, não, é um desesperado que quase viola uma rapariga grávida de 8 meses. Please...

Um verdadeiro 'freak' show.

Como dizes, Joana, fica a sensação que os actores tentaram salvar a coisa, cada um fazendo o que pode, sem orientação nem um texto forte para os guiar. E o Teatro sem texto é um show de egos, e para isso basta o meu, para ver o dos outros tenho pouca paciência. A obra tem que ser maior do que as suas partes, e esta, definitivamente, não é. Nunca tinha ouvido falar no tal de Peixoto, parece que é escritor aclamado ... por esta peça não será certamente.

Paguei eu 20€ e aguentei 2h30 min ... Meu rico dinheirinho...

Ressalvo que quase todas as outras impressões que recolhi foram super positivas. Por isso não se guiem por mim. Se calhar as obras da Arruda estão-me a deixar sem humor! Mas não é por o público ser bárbaro que as salas de teatro estão, em geral, às moscas.

(teve a vantagem de ajudar a pôr a Gaivota em perspectiva! Ver comentário em post mais abaixo)

Jota disse...

Eu ao menos não paguei e devo ter aproveitado a última borla por ser funcionária da CML.
(E depois de ler o teu comentário devo admitir que não estive à vontade no meu post para escrever tudo o que tinha sentido...)