11 junho 2007

Marcianos no Torel

Periquitão-de-cabeça-azul
Aratinga acuticaudata

Andava meia Lisboa à espera de ver ao vivo estas aves enquanto a outra meia esperava por ver desvendado de que espécie se tratava afinal. Ok, não era tanta Lisboa assim, era mais ou menos, ou vá lá... mais para o menos que para o mais, mas com empenho e decisão!

Devo anteceder o relato explicando que estas dúvidas foram há tempo levantadas numas conversas entre amigos e, depois, alinhavadas aqui no meandros dos blogues, com especial afinco nos comentários a este post do nosso Bzz. O que seriam aqueles seres verdes que se avistavam no Jardim do Torel, durante o voo, arrastando cauda comprida e em chinfrineira de despique? Eu por mim arrisco já: marcianos, só podem!

Ontem, finalmente, armámo-nos de máquina fotográfica e fomos à caça para o Jardim do Torel, aqui em Lisboa, ao lado do conhecido Elevador do Lavra. Do miradouro no alto do monte de Santana, lançam-se vistas sobre o monte de São Roque. Atravessando a Avenida da Liberdade, espreita-se desde o Tejo até à bandeira portuguesa da Feira do Livro no topo do Parque Eduardo VII, e isto passando pelo Chiado, pela estação de comboios do Rossio, pelas obras São Pedro de Alcântara que concorrem com as de Santa Engrácia e pela a mancha verde do Jardim Botânico, sempre com o olhar intersectando todas aquelas as ruas que caem colina abaixo.
O Jardim do Torel foi construído no início dos anos 30, pela Câmara Municipal de Lisboa, sobre os doados terrenos da que outrora fora a quinta do desembargador Francisco Xavier da Cunha Thorel, com o seu palacete mandado construir no início do séc. XVIII. No ano 2000, o jardim sofreu uma remodelação profunda. Parece que as águas da chuva ficavam retidas nos terrenos e os muros de contenção começavam a queixar-se do esforço.
Não conheci o jardim de antes, mas hoje é um lugar muito bom para se estar, observando o frenesim urbano à sombra de palmeiras e ao som do assobio dos melros. Mais ou menos como comer um gelado com molho de chocolate quente ou trincar uma torrada depois de um quadradinho de chocolate.

Mas isto vinha tudo a propósito dos marcianos que suspeitávamos terem erguido tenda no Torel. Nos dois guias de campo, previamente consultados, havia apenas uma sugestão: o Psittacula krameri. Assim sendo, as probabilidades de se tratarem de Periquitos-rabijunco, também conhecidos por Periquitos-de-colar (ambos nomes portugueses para Psittacula krameri), eram tantas quantas as probabilidades que eu tenho em não acertar no Euromilhões.
E foi com esta convicção que nos sentámos à espera dos vivos que sempre aparecem, numa conversa como as cerejas quando zás-tráz!, lá iam os suspeitos, voando sobre as nossas cabeças, entre as copas das árvores, até que mergulharam rumo à Liberdade para… êh-hop! logo ascenderem de regresso, pousando bem a jeito de uma espreitadela e uma disparadela.

Mas… periquitos-de-colar? Aqueles? Como? Só se tivessem deixado os oiros em casa! E só se tivessem pintado os bicos com batom amarelo, posto rímel branco para realçar o olhar e aparado as penas da cauda, afinal sempre é mais prático. O que seriam então estes marcianos-não-identificados? Será o Torel é mesmo um posto estratégico para Marte nos atacar?
Com grande habilidade, forte instinto, persuasão a roçar o doentio e com as graças divinas da Internet, lá descobri que estes marcianos estão disfarçados de periquitões-de-cabeça-azul, Aratinga acuticaudata - aves exóticas originárias do continente sul-americano mas observadas em Portugal e com direito a nome na lista das aves exóticas observadas em liberdade em Portugal continental, de Rafael Matias. Já que são apreciadores de ambientes tropicais, atrevo-me a dizer que este casal se terá encantado pelas palmeiras do Torel, comendo sementes, frutos e flores. Contudo não se registam reproduções no território nacional e em 1998 parece que apenas haviam sido avistados 7 exemplares (dados segundo esta bela página de nuestro hermanos).

Desvendado o mistério da identidade destes seres verdes que sobrevoam o Torel fica no entanto um pouco de frustração sobre a parca informação disponível relativa a vida destes bicharocos em terras lusitanas. Ok, são raros, compreende-se mas eu assim reforço mas é a minha suspeita: estes são mesmo marcianos disfarçados e atenção porque alguma coisa andam a preparar!

Probabilidades contrariadas talvez agora seja boa altura para eu começar a apostar no Euromilhões.

5 comentários:

paulu disse...

Oh Jotinha, que belo achado! E a foto também está uma bela malha! Os tipos estão com um ar castiço, e de quem já aprendeu a cantar o fado (embora ainda com uma pontinha de sotaque).

De facto, o Rafael Matias diz que não há evidências de nidificação em Portugal, mas para continuarem a sobreviver por cá quase dez anos depois... Tenho que ir a esse Jardim do Torel! Ainda opor cima estes só costumavam ser vistos no Jardim da Estrela, e associados aos tais periquitos-de-colar!

E olha, neste sítio parece que ainda estão à procura da primeira imagem de um periquitão-de-cabeça-azul (em liberdade) em Portugal:
http://www.flickr.com/groups/aves_de_portugal/discuss/72057594077847764/

Anónimo disse...

Fui eu, fui eu... quem os viu primeiro!... :P

Eu bem te disse, rapariga, regista logo a patente... Olha lá o que o Paulu te cobiçou...

É assim, há dias de sorte... Por acaso não pisaste có-có no jardim?...

Obrigada pelas fotos e histórias do Torel com e sem h... :)

goncas disse...

Delicioso, Jota!

Obrigado pelo pequeno pedaço de história. Adoro o Jardim do Torel! (E sobretudo, os doces finais de tarde que ele proporciona.) É um dos meus locais preferidos de observação da grande maquete de Lisboa (sendo os outros a Senhora do Monte e as traseiras da igreja da Penha de França), e continua a ser um pequeno paraíso desconhecido da maioria dos turistas. Encontrei-o por acaso, num dia em que saí das aulas para um longo e errático passeio. Chegado ao Campo dos Mártires da Pátria, segui a bonita rua dos palacetes (aquela que conduz ao elevador do Lavra), e quando dei por mim olhava para uma Lisboa confusa e baralhada, em que a noção de perspectiva parecia ter sido alterada. Gostei da sensação, de como era difícil identificar as linhas das artérias da cidade. Satisfeita a vontade de contemplação, desci para a Rua das Pretas através do pátio da escola primária que fica mesmo por baixo. E assim ficou traçado o meu trilho favorito de descida das avenidas novas à Baixa!

Jota disse...

Agradeço a todos os comentários!
O Torel é mesmo bom para passear, para ver a cidade, ver periquitões e passar um bom bocado.
Mas tenham é cuidado com onde põem os pés, principalmente se estiverem de nariz no ar a fisgar os chapins!
Ó Raquel, olha que chamar "cocó" àquilo até é ser simpático. Aquilo era um verdadeiro monte de merda, e da fresca!! Bagh, c’a nojo!

Jota disse...

Ufa-ufa, foi mais trabalhoso Flickrar do que apanhar os Et's...
Mas já está: os periquitões-de-cabeça-azul estão na lista!