Pisco-de-peito-ruivo Erithacus rubecula
Todos conhecemos o amigo Pisco! (excepto talvez os dois a quem é especialmente dedicado este post e que depois da leitura devida espera-se que venham a tornar verdade a primeira frase deste escrito.)
Em Cabo Verde um pisco é um petisco, para ser comido. No Perú e no Chile o pisco bebe-se!Trata-se de uma aguardente de FUEGO que mais parece um ancinho a coçar-nos a traqueia! Ainda no Peru, e talvez explicando a origem do nome desta bebida, Pisco é nome de uma província, de uma cidade, de um vale e de um rio localizados na região de Ica.
Cá em Portugal temos a Serra do Pisco, perto de Trancoso. E senhores e senhoras de apelido Pisco há-os montes (o nome é de origem judia, está incluído no Dicionário Sefaradi de Sobrenomes). Também chamamos pisco aos míopes. O mais conhecido deles é Estrabão, o pisco – precisamente estrábico! Depois há os que "comem como um pisco", fazendo jus aquela pancita redondinha onde pouco deve caber.
Finalmente, o Pisco pode ser visto... em cartões de Boas Festas (um, dois exemplos apenas), onde aparece rodeado por neve e de penas tufadas, em selos originários de quase todo o mundo e até em pose nalgumas caixas de fósforos!
Pois é, todos conhecemos o amigo Pisco! Nem que seja num dos pontos do rol atrás apresentado. Mas também há Piscos a sério, dos que voam e saltitam em jardins e em florestas.
O Pisco é do tamanho de um pardal. Nas estações mais quentes alimenta-se de insectos, incluindo aranhas e outros invertebrados. Quando vem o frio, e os insectos se vão, recorre a bagas e outros frutos porvezes alguns que tenham sido desfeitos por outros animais. Nos países do norte da Europa, na época da neve, é vulgar ser alimentado pelas pessoas havendo relatos de encontros emocionantes.
Em Portugal, os Piscos que nidificam são residentes. Mas recebemos visitas de alguns outros Piscos vindos em fuga do frio do Norte da Europa – passam cá o Inverno e regressam para a procriação. Fazem os ninhos em buracos no solo, taludes, buracos em árvores.
Com o seu aspecto catita, com um distinto peito ruivo sobre um par de patinhas a lembrar pés de cerejas e com este canto artístico durante quase todo o ano, se avistado o Pisco é fácil de identificar. E diga-se em coro: oh que querido, tão fofinho! e queridinho por ter a) um peito ruivo que b) incha e fica tão fofo, por c) cantar que se desalma e ser d) um curioso atrevidote.
Mas este pirralho engana! Quatro encantos estes, quatro presentes envenenados. O Pisco-de-peito-ruivo é a ave que mais ferozmente defende o seu território. É tão feroz como querido: é capaz de matar um invasor em terras suas. E agora desmistifique-se também em coro: Xi, a sério? ca bruto por ter a) um peito vermelho-semáforo indicando “entrada expressamente proibida” b) que incha “sou só musculo ferrado no ginásio” c) um canto todo o ano “aviso-te que isto não é só garganta" e d) uma curiosidade de “chega-te aqui chega e vais ver”!
Mas esta agressividade do Pisco tem uma razão de ser e não é nem económica nem religiosa nem política nem idealista. O Pisco é um estranho caçador. Não persegue os insectos num céu sem limites nem passa o dia entretido a bicá-los do solo. O Pisco pratica o “empoleirado e cá-vou-eu”: à paciência de uma sombra, poisado num ramo rente ao chão, o Pisco espera que surja uma centopeia, uma minhoca, um mosquito para a ele se lançar de surpresa e Zás está!; como plano alternativo, para alturas mais fracas, lá salta para o chão a debicar o que aparecer. Ora assim sendo até se entende. Eu cá se fosse Pisco não queria barulho no meu terreno, não queria concorrência que me afugentasse a janta, minha e dos meus filhotes, precisava de privacidade e calma sobre o meu reino!
Se se dá o azar de dois Piscos se julgarem reis da mesma propriedade ui! As hostes abrem-se com o canto dos guerreiros. É um diálogo de ofensas e ameaças como nem os Exterminators teriam coragem de proferir, sobrepondo os discursos, num despique musical que pode durar horas e encantar os domingueiros que se passeiam por ali. Quando finalmente se acareiam lançam-se ao chão, tufam as penas e inclinam-se. Se nenhum se retira, vale arrancar olhos à bicada! Macho e fêmea lutam com o mesmo empenho pelo seu território.
A meio do Inverno é tempo dos Piscos se enamorarem e o macho muda de canto. Apesar do macho agora passar os dias a cantar para engatar uma miúda, a fêmea passa algumas dificuldades até que ele entenda as suas intenções (o costume!). Ele demora a distingui-la entre amante ou invasora, mas quando as coisas se esclarecem, lá se casam. A fêmea caça, o macho canta, e ainda falta até que a Primavera faça das suas. Depois dos filhotes criados, afasta-se o casal e cada um volta a defender o seu reino.
Curiosamente (ou não tanto) os maiores fãs deste Pisco são, sem dúvida, as gentes do Reino Unido. O Pisco, aliás o Robin (aliás o Robin europeu, a não confundir com o Robin americano) é praticamente considerado a “ave nacional” – parece que só falta oficializar a relação. Este amor dos britânicos pelo Robin deve-se, claro, ao seu ar fofo e ao seu cantar melódico, mas também ao facto de ser uma ave presente todo o ano que encanta o branco dos Invernos com o seu peito ruivo, aproximando-se dos humanos (e então se forem britânicos...) para ver se ganha alguma migalhita.
Até à idade média chamavam-lhe Redbreast (ainda o fazem os franceses usando o Rouge-gorge - como se não houvesse outro pássaro de peito-ruivo) ou Ruddock (palavra do Inglês antigo para “red”, também alcunha dada aos ruivos e persistindo ainda hoje como apelido). Mas depois, os inglêses acharam que como a fêmea não tinha o peito ruivo não lhe podiam chamar Redbreast – enganavam-se, estavam a confundir a pequenita carriça com a Sra. Robin que essa sim tem o peito ruivo. E como quem põe o nome a um filho ficou o macho Robin e a carriça Jenny .
Desde adivinho meteorológico consoante se esconde ou se encima num arbusto para cantar; desde ave piedosa que tirou os espinhos cravados no corpo de Cristo; passando por gentil protector de abandonados corpos mortos que cobre com musgo e folhas; saibam que até os carteiros Vitorianos foram chamados de robins redbreasts por usarem uniforme vermelho e que este Pisco é cantado por tantos poetas britânicos, e encanta em muito contos infantis e não tão infantis. Mas ainda assim diga-se, só depois do Mourinho virá o Pisco!
Para este post espreitei (entre outras coisas que foram mais de passagem e mais-que-a-conta):
aqui em português familiar, aqui em francês, e aqui um mero acaso em pesquisa de última hora mas que gostei muito! Ah, também espreitei este livro na sua versão de páginas verdadeiras, de papel.
E, já que o post vai curto, aproveito para vos fazer voltar a observar a foto lá de cima. Parecia que o Pisco estava a posar? a lançar um olhar de curioso? Mas reparando bem... parece mesmo que nos está a olhar de lado, não é?
Lagoa das Braças
Figueira da Foz
2 de Fevereiro de 2007