30 agosto 2007

O mais ágil

http://www.wcsn.com/article/news.jsp?ymd=

Donald Thomas (1984), Bahamas
Mundiais de Ateletismo, Osaka 2007

Finalmente ao quinto dia plantei-me em frente à televisão e vi toda a jornada dos mundiais de atletismo de Osaka.
Calhou-me o concurso que escolhe o mais ágil de todos os atletas: o salto em altura. É um concurso muito emocionante de se assistir, com o seu estilo roda-bota-fora que vai excluindo uns e dando oportunidades sucessivas aos que em três tentativas conseguem saltar sobre a fasquia poisada cada vez mais alta. E foi assim que, depois de apenas plantada, cheguei mesmo a ganhar raízes sentada ali no sofá.

O cubano Victor Moya era uma séria esperança para ficar entre os 3 primeiros, em parte por ser conterrâneo do saltador Javier Sotomayor (o atleta que mais próximo do céu chegou saltando a partir da Terra quando, em 1993, superou a fasquia colocada aos 2,45m). Nos mundiais de Helsínquia, em 2005, foi Victor Moya quem conquistou meia medalha de prata. Mas hoje falhou, por 3 fatais vezes, o salto a 2,33 e nem chegou a ver os degraus do pódio.

A outra metade dessa mesma medalha ganha na Finlândia foi parar ao peito do Russo, Yaroslav Ribakov, que hoje se empenhou e fez uma muito melhor prestação tendo guardado a medalha de prata inteirinha só para só para si.

O sueco Sthefan Holm era, mais do que candidato a uma das medalhas, candidato ao próprio título. Sthefan Holm é um veterano de 31 anos de idade que nunca conquistou medalhas de ouro em mundiais de atletismo (pobre coitado, pode gabar-se apenas do primeiro lugar nos Olímpicos de Atenas e outros primeiros em pista coberta). Para além destas razões que, quanto a mim seriam bem mais que suficientes para um homem ser reconhecido com a primeira das medalhas em mundiais, o sueco estava a fazer um concurso limpinho. Tendo prescindindo do primeiro salto, superava à primeira a fasquia que ia subindo: 2,21; 2,26; 2,30; 2,33. Mas depois: 2,35; 2,35; 2,35 foram 3 tentativas e 3 derrubes desta fasquia que lhe valeram um 4º. frustrado lugar. Será que para o ano há mais?

A medalha de bronze foi para o jovem cipriota Kyriakos Ioannou que superou os 2,35 à segunda tentativa, que depois se espalhou redondo no 2,37 mas que, ainda assim, bateu por duas vezes o record nacional que estabeleceu ele próprio ainda no início deste ano de 2007.

E eis que aparece aos saltos Donald Thomas. Jovem com os mesmos 23 anos de idade que o cipriota, Donald Thomas vem das Bahamas mas vem também do basquetebol. Enquanto que o cipriota anda em campeonatos de salto em altura desde os seus 17 anos, Donald Thomas iniciou-se nisto apenas o ano passado.
Reza o que já é uma lenda que tudo começou com uma aposta entre amigos num café, depois de uma partida de basquete. Dois meses depois desta aposta, Donald Thomas conquistava o 4º. lugar nos jogos da British Commonwealth em Melbourne (calçado de ténis de basquete porque ainda não tinha tido tempo para se habituar aos pitons das sapatilhas de salto em altura).
E hoje, em Osaka, 18 curtos meses depois de Melbourne, Donald Thomas ganha o ouro. Limpinho!

Quando saltou, logo à primeira, os 2,35m Donald Thomas mais que truques de magia exibiu-nos quase-milagres. Podem ver o salto aqui, clicando na linha escrita a azul no topo direito da fotografia; ou aqui seleccionando "Wednesday 29 Aug", "Evening", "Men High Jump Final" (ufa!).
Reparem como primeiro suspendeu o tempo enquanto impulsionava o seu corpo (dei por isso claramente pelo bater lento do coração, pelo silêncio em que a rua ficou).
Depois mandou vir uma parede invisível ao longo da qual trepou para ganhar altura (num estilo um tanto ou quanto estranho para esta disciplina de atletismo porque enquanto sobe dá às pernas como se corresse ou se pedalasse numa bicicleta).
E por fim, mandou parar por instantes a força da gravidade enquanto se esticava para, com o corpo já deitado, se desviar da fasquia (eu, a televisão, o tapete levitámos também!). Nada mau, ein?

Bom, e agora que as minhas raízes vão mais fundas, aproveito para ficar aqui à espera dos Olímpicos de Pequim para ver se este Donald Thomas jovem-surpresa-mágico se continuará a revelar tão bom. A sua fasquia está alta. Tão alta quanto o incrível Sotomayor a deixou!

E para terminar, os parabéns se enviam aos atletas portugueses. A todos!

3 comentários:

Anónimo disse...

Um título no Público de hoje não me fez estranhar a história que contas, mas eu não percebi logo que o jovem era de oiro mesmo, nem suspeitaria que começou o ano passado! Ficar-me pelos títulos é o que dá...

Jota disse...

Ficas-te pelos título mas vens ao Respigo saber do que trata o miolo. É o que dá...

paulu disse...

A história passa-se num estádio. Não num estádio português porque tem a ver com atletismo. Com o salto em altura para ser mais exacto, e respeitar o tema do post. Um atleta está no último ensaio. Se passar ganha a medalha dos oiros. Se perder, cabe-lhe a tal desgraça desportiva que é a de ser o primeiro dos restantes. O estádio está em silêncio. (Naquele tempo ainda não havia o costume de bater palminhas). Olha para o atleta.

Ele tenta concentrar-se na fasquia. Mas, raios, vem-lhe à cabeça uma discussão que teve com a namorada no dia antes. Eu não estava nada a fazer-lhe olhinhos!!! Consegue afastar a discussão e a namorada da cabeça. Concentra-se na fasquia. Concentra, concentra, concentra! Mas assalta-o o tio Augusto, que lhe vaticinou que ele nunca iria ser ninguém na vida, atleta de elite muito menos, estás feito, hás-de falhar no momento decisivo. Roga uma praga ao tio Augusto, mas ele já morreu e é chato. A fasquia, concentra-te na fasquia. OK., já está. Mas porquê salto em altura? Qual o sentido de um desporto tão…? Porque… Bom, a professora de português disse-lhe que era uma metáfora, mas ele já não se recorda bem do que é uma metáfora. Não deve ser nenhuma doença porque nesse caso não teria aparecido numa aula de português. A não ser que fosse tuberculose ou uma doença venérea, que são as maleitas preferidas dos escritores. Mas não, não tem aspecto. A fasquia, porra! Concentra-te! É desta!

Não, não é. O estádio estala numa enorme gargalhada. O atleta logo entende porquê. Há um pombo que se resolveu a poisar em cima da fasquia. Deve ser ave que sobrou da cerimónia de abertura… Um júri hesita entre ir espantar o bicho, ou esperar que o fenómeno se resolva por si. Resolve-se por si. O pombo deixa uma caganita em cima em cima da coisa e vai à sua vida. O atleta, farto de tentar concentrar-se, parte.

Partiu. Preocupa-se apenas em evitar a cagadela do pombo. Mas não há meio. O seu corpo encaminha-o mesmo para aquele ponto como se estivesse ali o grande amor da sua vida. Vou ter que saltar por cima daquilo senão ainda sujo a camisola e é uma vergonha, ai, ugue! Vuuuuuuuuuuuuuuuuuu… Desce e cambalhota sobre os tapetes com uma comichão nas omoplatas. Derrubei-a, f…, morri, é tudo o que pensa.

Todavia, porém, contudo, por aí fora, etc., a fasquia recuse-se a cair a raspanço tão ténue. Balança, treme, arrepia-se, mas fica lá em cima, nem que mais não seja para arreliar. A bandeira do júri ergue-se branca e resoluta. O estádio explode. O atleta dá um salto mortal à retaguarda e ergue os braços como se apontasse os deuses que o ajudaram no prodígio. Salta dos tapetes. É cumprimentado pelo totó que se ficou pelas pratas. Corre na direcção das bancadas onde lhe oferecem uma bandeira nacional. Aconchega-se com ela à volta dos ombros enquanto dá a volta à pista. Assim sempre escondo a merda do pombo que ficou na camisola, pensa enquanto acena à multidão.