Santa Apolónia agora
O tempo passou e hoje, ao contrário do que canta Jorge Palma, Santa Apolónia já não arrota magotes de gente do seu pobre ventre inchado, sujo e decadente.
Agora, os Magotes ou andam de carro ou, se chegam de comboio, descem logo no Oriente. Agora, o Ventre saiu de uma operação estética que alisou, reestruturou e aperaltou a barriguinha desta Santa amiga dos dentes.
Santa Apolónia está de uma desinfecção cirúrgica. Nas paredes não há uma única mancha de sola de bota à espera do comboio, não há beatas espalmilhadas no chão, não há lixo de má pontaria à beira de um caixote nem à beira da linha, nem há pastilhas elásticas a fazer parte do chão. Não cheira a rodas travadas nem a óleo de comboios e até os desgraçados dos pombos viram reduzidos os seus lugares no estendal das catenárias à conta daqueles picos que lhes colaram os engenheiro - portanto não há cagadelas de pombo a colorir e a dar expressão a plataforma do cais.
Santa Apolónia tem falta de sujidade. Espero que isto lhe passe depressa. Mas, diga-se, há também que aproveitar a paisagem. Em terra com uma estação de comboios assim tão imaculada até parece impossível que haja um lado errado da noite.
Aquele senhor de bengala de cego que se vê (ou quase se vê) mesmo à esquerda da foto (um clique para aumentar), andava ali de um lado para o outro, a abengalpar a esquina, as arcadas que comunicam para a sala de espera, o gradeamento que nos protege da linha, a rampa de acesso ao comboio e com certeza outras coisas mais que com olhos não se vêem. Repetindo o percurso, abengalpava com calma, sem pressa nem ar perdido, com a tranquilidade de quem observa e regista para si.
- Não, não preciso de ajuda obrigado. Estou só a ver.